quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Percebeu que era possível amar os detalhes sem amar o todo




Na intimidade daquele edredom, ela perguntou:
- Se você pudesse não sentir nada e evitar o sofrimento, você preferiria?
- Não, claro que não, ele disse. Ainda que eu sofra com mazelas que nem são minhas, ainda que meu peito aperte e o sofrimento me sufoque, eu preciso sentir para estar vivo... Ainda que...

E enquanto ainda falava, percebeu que aqueles olhos que lhe davam tanta paz saíram vagando pela janela. Ela não estava ali e talvez nem quisesse estar. Ele, por sua vez, só queria estar ali naquela cama, para sempre.

Por mais que tentasse, nunca entendia como havia se apaixonado. Talvez tenha sido por sua leveza, sua facilidade em viver sem se preocupar muito com o mundo em volta. Talvez tenha sido por sua alegria de viver. Ela era a tranquilidade que ele não tinha. Queria viver, se divertir, ser feliz. Não media suas palavras, suas piadas, afinal eram apenas palavras e piadas.

Enquanto isso ele preocupava-se com o mundo. Com a pobreza, a violência, os excluídos. Ele chorava com as mortes nos cinco continentes. Queria lutar e mudar o mundo. Queria discutir política, economia e religião. Pensava 30 vezes antes de dizer, tinha medo de cometer injustiças. Carregava nos ombros toda a crueldade do ser humano. Como era possível alguém viver nesse mundo sem pesar tanto sofrimento?

Para não enlouquecer, apegava-se á beleza. Sobretudo à beleza dela. Olhava aquele rosto, aquela pele. Amava aquele corpo e a cor que reluzia quando a luz do sol entrava pela janela e batia naquelas costas. Amava aquele sorriso. Amava aquele rosto que era só dele quando transavam. Amava quando ela fazia graça, mais pelo esforço em fazê-lo sorrir do que por achar realmente engraçado. Amava o amor. Amava o amor com todo o seu coração. Mas não a amava. E descobriu que era possível amar detalhes sem amar o todo.

Sabia que aquele momento não seria eterno e que ela não seria sua para sempre. Sabia, inclusive, que ela lhe escapava por entre os dedos, mas ele não tinha vontade de segurá-la. Se pudesse, a congelava assim, deitada, nua, olhando para seu rosto com olhos de quem prefere a energia do presente do que o peso do passado ou a ansiedade do futuro. Mas em poucas horas ela iria embora e provavelmente nunca mais voltaria. E não voltou.

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