sexta-feira, 1 de maio de 2015

Ao meu herói



Ele sempre foi cheio de histórias para contar. Há três anos, nas folhas soltas do seu alfarrábio, nos presenteou com a reunião de boa parte delas, muitas das quais nem tínhamos ideia.

Com sua peculiar modéstia, iniciou seu livro dizendo que não tinha nada de interessante para revelar às pessoas, mas precisava registrar as estórias da vida dele, que se confundiam com a história do Amapá. Segundo ele, queria deixar registrado para filhos e netos os principais aspectos da "nossa vida". E o que deixou foi a história de um estado muitas vezes esquecido no mapa do Brasil.

No seu aniversário de 90 anos tentei resumir quem foi nosso vovô Elfredo: engraçado, elegante, ativo, trabalhador, batalhador, forte, generoso, carinhoso e a lista não pára. Para as pessoas que estavam em volta, ele era um porto seguro, um exemplo, um professor. Generoso, forte, curioso, somhador. Depois eu descobri que ele era ainda mais: ele era um herói.

Quando veio de Portugal recuperar as terras do seu pai, com seus 20 anos, sua mãe lhe pediu para não se envolver com seringueiros e com política. Pois ele se meteu na batalha da borracha, se filiou a partido político, fundou o primeiro jornal do Amapá, foi perseguido pela sua luta por um estado melhor e sempre teve um verdadeiro amor pela terra e por tudo o que vinha dela. Em uma de nossas últimas conversas, ele me contou de seu segundo livro: um alerta para as novas gerações, para que os jovens se atentassem às riquezas do Amapá e preservassem a terra, a cultura e o estado. Ele trabalhou 93 anos para isso.
Esse era o senhor Elfredo Félix, um idealista teimoso, um sonhador com os dois pés no chão. Um trabalhador exemplar, que esteve ao lado de Getúlio quando este se dirigiu ao povo do Amapá prometendo corrigir as injustiças com os outros trabalhadores. Talvez por isso ele tenha ido tão perto de um 1o de Maio, para deixar clara sua missão nesse mundo.  Esse era o nosso avô, o nosso ídolo, o nosso herói. Esse era o pai, a base e o alicerce. O sogro, a tranquilidade e a paz. E esse era o grande amor da vovó, a metade do seu coração.

Peço ao universo que me deixe sua habilidade com as palavras e sua bondade com as outras pessoas. Que a nossa família continue sendo bordada com o seu amor e aproximada com o seu carinho. Que a vovó seja forte para entender que ela construiu com ele uma família grande e linda e que ainda temos muito o que passar juntos. Que meu pai e meus tios honrem todo o legado de bondade, amor e união que ele deixou. Que nós, netos, possamos entender que avós são como chocolate, bom demais, mas dura pouco, às vezes uma parte muito pequena das nossas vidas. Ele nos deu 93 anos. E nós podemos dar a ele muito mais do que isso.

Vozinho, descanse em paz. O que o senhor construiu dentro da gente vai durar gerações.