quinta-feira, 28 de agosto de 2014

A-pesar




Era uma dessas lindas histórias de amor, mas sem um final feliz. Eles se completavam, se entendiam, se conectavam. Era felizes 24 horas por dia, sete dias por semana. Gostavam das mesmas festas, das mesmas músicas, dos mesmos filmes. Concordavam em tudo, desde a decoração da casa, até a conjuntura macroeconômica da Europa pós-crise. Um belo dia um dos armários amanheceu vazio. No lugar das roupas, um bilhete de despedida.

Assim que terminei de ler o relato, agradeci por esse final nada feliz. Menos por não acreditar em finais felizes e mais por duvidar de qualquer relação perfeita.

Podemos gostar das mesmas músicas, mas eu vou continuar brigando para escutar Hanson no lugar daquela banda de metal que só você conhece. Podemos dançar no mesmo passo, mas teremos que revezar entre o meu bolero e o seu forró. Podemos ter o senso de humor parecido, mas você vai continuar não entendendo minhas ironias e eu me irritando com as suas piadas sem graça. Podemos gostar dos mesmos programas, mas vamos ter que negociar entre ir pra balada gay, sentar num bar pra beber um chopp ou simplesmente ficar em casa vendo filme. Você pode gostar de cozinhar e eu só de comer, mas às vezes você não vai querer cozinhar e eu vou ter que dar o braço a torcer, mesmo depois de um dia cansativo. Ou podemos simplesmente não concordar em nada.

Provavelmente nossas vidas seguirão algum desses roteiros. Algumas vezes faremos essas concessões de bom grado, outras depois de quase decretar a terceira guerra mundial. Algumas vezes cederemos com sorriso no rosto, outras com um bico para Pato Donald nenhum botar defeito. Podemos não nos importar, muitas vezes, mas outras tantas vamos chorar, esbravejar, bater o pé.

No fim de tudo o que importa é o tamanho do amor. E amor a gente não escolhe, a gente sente.

sábado, 23 de agosto de 2014

Deixa pra mais tarde

- Você nunca se apaixonou por mim, ele disse.

Era o tipo de afirmação que fazia parte do seu charme, mas cansava com o passar do tempo. Essa mistura de falsa modéstia com vontade de impressionar o levava a falar sobre coisas que não sentia realmente. Ela não lhe dava mais crédito, havia se iludido demais com suas frases de efeito. Olhou para o lado, levantou-se da cama e muou de assunto. Enquanto caminhava para a cozinha pensou no que gostaria de ter respondido:

- Você sabe muito bem que me apaixonei. Paixões, no entanto, são fogo: aquecem, confortam, queimam, machucam e basta uma ventania para levá-las embora. Você soprou forte demais.

Não respondeu. Assim como não falou sobre o incômodo de nunca sentí-lo entregue a ela quando estavam em público, como acontecia entre quatro paredes. Estava sempre só, com a sensação de precisar pedir carinho e atenção. E há tempo havia desistido de lidar com quem tinha dificuldade para ser espontâneo em seu afeto. 

Também guardou para si a falta que sentia daquela paixão, daquele frio na barriga toda vez que escutava sua voz, daquela falta de ar que tinha quando o abraçava forte. Uma saudade paradoxal do sentimento que deveria ser mútuo, mas havia vivido sozinha, e mesmo assim a fez muito bem.

Respirou fundo, bebeu um grande gole d'água e voltou para a cama com o copo cheio, a garganta entalada e o coração vazio.

O sol entrava pela janela, batia na persiana e desenhava listras de luz por todo o quarto. Os dois comentavam como sempre era tão gostoso aquele emaranhado de pernas e braços, a respiração sincronizada e o calor dos corpos juntos. O dia estava lá fora, sol quente e céu azul, e eles se recusavam a levantar: só mais cinco minutinhos. Ele fazia questão de dizer como as listras ficavam bonitas no corpo dela. Ela sorria, sentia-se realmente bonita com ele. Os cinco minutos viravam uma hora. Ao menos ali, naquele ninho, nada havia mudado. 

Mas o verão ainda estava lá fora.



quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Eu sou vadia

Muita gente vai torcer o nariz quando ler esse título. Essas mesmas pessoas não estranhariam se eu fosse homem e fizesse um texto chamado "Sim, eu sou pegador". No máximo levariam na brincadeira. Elas também acreditam fielmente que não existe machismo e que o feminismo é uma grande bobagem, mas adoram afirmar que a mulher deve ser "uma santa na sociedade e uma puta na cama".

Eu não me declaro feminista pelo simples fato de ter muitas amigas feministas realmente engajadas, que estudam e vão para a rua lutar pelos nossos direitos. Elas sim são feministas, estão colocando a cara a tapa para um bem que atingirá todas nós. Mas posso me incluir na categoria de altamente simpatizante com as lutas e questões feministas.

E, por isso, me contorço com o tanto de bobagem que escuto por aí. "Sou contra machismo e feminismo, defendo o igualitarismo", escutei esses dias. A afirmação já chega tomando como certo que o feminismo quer que as mulheres tenham mais direitos que os homens. O que nós queremos é receber o mesmo salário que os homens quando exercermos os mesmos cargos; andar na rua de shorts curtos com a mesmo liberdade que os homens andam sem camisa; ser presidentes, Prêmio Nobel, Oscar, tetracampeãs mundiais em qualquer esporte, e não só a garota bumbum ou a Miss Brasil; ter o direito sobre o nosso corpo, escolher se vamos ou não levar uma gravidez adiante, como queremos nosso parto, com quem nos deitamos ou deixamos de nos deitar.

Nós também queremos que os homens tenham direito de fraquejar sem julgamentos. Que eles possam escolher cuidar da casa e dos filhos se quiserem. Que não se sintam na obrigação de serem os provedores da família e ganharem mais do que suas mulheres. Que eles possam brochar, chorar, expor suas fraquezas. Que não sejam obrigados a perder a virgindade com 12 anos em algum prostíbulo. Que não tenham que provar sua masculinidade indo pra cama cada dia com uma mulher diferente, ou arrumando briga na rua ou, até mesmo, batendo em suas companheiras, mães ou irmãs. E se isso não é brigar por igualdade de gênero, não sei o que seria.

A questão principal está na grande diferença entre o machismo e o feminismo: enquanto o primeiro oprime, o segundo liberta. Só que muitas pessoas ainda ignoram isso. Outro dia fiz um post no Facebook reclamando do quanto é horrível escutar cantadas todas as vezes que resolvo deixar meu carro em casa e andar a pé. Eu sabia que teria apoio e comentários positivos da maior parte das mulheres da minha rede, mas não esperava ter que lidar com comentários masculinos do tipo: "quem mandou ser bonita?". Isso não é um elogio, é só uma comprovação de que o machismo está grudado na nossa cultura a ponto de alguns não perceberem que esse comportamento só reforça a minha reclamação. A forma como essas cantadas geralmente são proferidas é quase sempre lasciva, assustadora e extremamente opressora. E nós sabemos muito bem como é horrível sentir um frio na espinha, abaixar a cabeça e aumentar o passo para sair o mais rápido possível dali.


Mas ainda há aqueles que usam o argumento de que isso faz parte da natureza masculina e a mulher deve se preservar. Não, isso não faz parte da natureza masculina. Isso é construído na nossa sociedade: conforme os meninos crescem, vão sendo ensinados a não controlar seus instintos, a mexer com as mulheres na rua, a achar que têm direito sobre o corpo da mulher. E nós ficamos vulneráveis, a mercê desse comportamento ameaçador.

Quando falamos de questões feministas, precisamos ter em mente as marcas históricas que nós, mulheres, sofremos: assédio sexual, moral, psicológico; abusos, estupros e outros tipos de violência; restrições, proibições e julgamentos; falta de direitos e de liberdade. A meu ver, é simplesmente impossível ignorar tudo, desvalorizar o feminismo e fingir que não vivemos em uma sociedade extremamente machista.

A idade média acabou, está na hora de parar de achar que feministas são bruxas, comem criancinhas, querem destruir os homens. Queremos um mundo igualitário para homens e mulheres. Que possamos ser santas na sociedade e putas na cama. Ou putas na sociedade e santas na cama. Que possamos ser vadias, mães de família, executivas de sucesso, donas de casa, solteiras, casadas, enroladas, lésbicas, bissexuais, transexuais, heterossexuais, brancas, negras, amarelas, gordas, magras, altas, baixas, vaidosas, desleixadas ou qualquer coisas que quisermos ser, na hora que acharmos melhor. É a nossa vida, são os nossos direitos.

Para quem quiser saber um pouco mais e não correr o risco de sair falando bobagens por aí, indico dois links:

Feminismo para homens, um curso rápido.
FAQ Feminista.

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Aos meus 30 anos

Os 30 anos estão aí, batendo na minha porta. Fico pensando quando era criança e achava que seria muito velha com essa idade, muito responsável, que minha vida estaria resolvida. Nada disso. Nem perto disso, aliás.

Não plantei uma árvore, não tive um filho, nem escrevi um livro. Muito menos ganhei meu primeiro milhão antes dos 30. Também não casei, não encontrei o amor da minha vida ou a minha alma gêmea e até aprendi que eles não existem. Não tenho uma carreira de sucesso, não fiz o mestrado que sempre quis e nem viajei o tanto que desejava. Não fiz nada para mudar o mundo, nem para mudar minha vizinhança, não tenho investimentos, nem um pé de meia para o futuro.

Não virei escritora, nem paquita, nem promotora, nem repórter de guerra, nem atriz, como eu queria. Não virei dentista ou advogada como a minha mãe queria. Também não passei em nenhum concurso público que me pagasse bem e me acomodasse até a minha aposentadoria. Fui trabalhar com uma coisa que nem consigo explicar para o meu avô, que ninguém conhece direito, mas todo mundo acha que sabe muito e que é algo muito fácil de se fazer. Não é, acreditem.

Nesse momento de reflexão que antecede qualquer aniversário, pelo menos os meus, cheguei a me sentir mal por não estar me lamentando por esse meu fracasso aparente. Mas não estou. Definitivamente, não correspondi a nenhuma expectativa dos meus pais, família, amigos e nem mesmo as minhas. Falhei em uma porção de coisas e várias vezes. E me sinto incrivelmente bem por isso.

O que essas três décadas me trouxeram não foi uma vida de revista, de propaganda de margarina. Foi, sobretudo, uma paz interior enorme. Foi maturidade, autoestima, calma e sabedoria suficientes para entender que tudo na vida tem seu tempo e o meu tempo nunca será igual ao de outras pessoas.

Sinto-me aliviada quando penso que desde a minha adolescência não passo por um momento tão bom como este. Com muitas dúvidas, mas sem angústias. Com muitos sonhos, mas sem desespero. Muito mais dona de mim, sabendo o que eu quero, o que eu gosto. Tendo consciência e responsabilidade sobre todas as minhas ações. Sem preocupações desnecessárias com o que os outros pensam de mim. Entendendo que meu corpo não é o mais o de 15 anos atrás, mas que eu o conheço bem melhor e me sinto muito mais bonita e segura do que naquela época. Tendo muita clareza do que eu sou capaz e confiança no que eu faço, tanto na vida pessoal, quanto na profissional.

Ainda quero fazer o meu mestrado, morar fora, ter filhos, encontrar alguém que me faça feliz (para sempre ou por uns dias, tanto faz), viajar bastante, ser reconhecida como profissional. Ainda quero fazer diferença no mundo, ou na vida de algumas pessoas, ou de uma pessoa só, ajudar a reverter um cenário ruim, como eu desejo desde pequena. No entanto, hoje eu tenho planos, não angústias. Aprendi que tenho vontade, capacidade e coragem para fazer tudo isso, ou simplesmente para mudar de vida a hora que eu quiser.

"São fortes as mulheres de 30. E não têm pressa pra nada. Sabem aonde vão chegar. E sempre chegam." 

(A mulher de 30, Mário Prata)

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Todas as declarações de amor são ridículas



Lembra-se de chegar na sala de aula, ainda criança, e ter um ursinho com uma mensagem de amor em sua carteira. Ou do amiguinho que pedia para os pais ligarem para sua mãe levá-la para brincarem juntos, e ele não conseguia nem falar direito quando ela chegava.

Os bilhetinhos na escola viraram cartas, poemas, flores, quadros, canções, viagens. Difícil pensar em alguma declaração de amor que não havia recebido. Em tempos de internet, nem e-mails haviam escapado. E ainda se surpreendia ao receber mensagens de pessoas que pouco ou nada a conheciam e nutriam uma admiração por ela que nem a própria entendia. Guardava tudo com muito carinho e uma certa desconfiança.

Declarações de amor pouco ou nada significavam para a garota. Diga o nome de sua banda preferida, ou a cor que mais gosta. Cite três filmes que emocionaram, ou três músicas que a fazem arrepiar. Acerte seu prato favorito, ou a leve para uma viagem inesquecível. Ria de seu sarcasmo e a faça rir com bobagens. Entenda o tanto que ela pode ser sensível e um pouco bruta. Veja como ela gosta de cuidar e ser cuidada. Coloque-a no colo, nos braços ou a jogue na cama. Mas não envie flores antes de enxergar tudo isso. Ela odeia rosas vermelhas. Ela detesta poesia rimada.

Tudo isso a enche de tédio. Ela quer aventura, prazer, movimento. Ou simplesmente alguém que a enxergue.

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

E o meu coração se deixou levar

Ela queria me contar o quanto o destino pode ser cruel nesses assuntos do coração, uma tentativa sem sucesso de me proteger das decepções. Apesar de tão pouca idade naquela época, eu já havia percebido.

Meu amor, dizia, não deixe que seu coração seja feito de bobo.

O problema é que eu nasci com a teimosia das mulheres da família, com essa síndrome da persistência, essa dificuldade de me dar por vencida. Não desisto antes de ter certeza que fiz tudo o que poderia. Acabo, eu mesma, enganando meu coração.

Apesar dos seus conselhos, eu me deixei levar. E me deixarei levar todas as vezes que fizerem meus olhos brilharem. Sou mesmo feita de amores, lágrimas e cicatrizes. 

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Mas ele foi...


"Fica mais um pouco, não deixe que tudo isso acabe". Ela dizia com os olhos.

Ele a abraçava como se fosse o último abraço de suas vidas, e foi. Ela chorava como se fossem suas últimas lágrimas, e foi. "Você é a mulher da minha vida, eu mereço sofrer pelo que fiz". Ela queria dizer que não, não merece. Merecem ficar juntos como sempre foi. Merecem seguir os planos que traçaram dias antes e, de repente, sumiram como névoa. Desejava que ele não fosse. Mas ele foi.

Não sem olhar para trás. Não sem voltar e prometer que ficariam juntos. Não sem jurar mais algumas vezes que era o amor da sua vida. Enquanto isso, ela estava sem vida, sem alma. As lágrimas escorriam já por costume, sem nenhuma expressão. 

Ficou ali, paralisada por horas, dias, meses, tendo que lidar mais uma vez com o abandono.