terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Dos vazios sufocantes



Ironia, a casa está vazia. Todo aquele espaço parece grande demais para me caber dentro. O sofá incomoda, não consigo me encaixar sozinha. A cama está imensa e ainda guarda o cheiro doce dos últimos dias. A louça está na pia. A toalha e a escova não saíram do lugar. A temporada ficou inacabada.

A memória continua viva. Talvez pela iminência do fim, ou pela sinceridade dos sentimentos abertos, mas as últimas horas parecem inesquecíveis. Ironia novamente. Tudo se encaixou perfeitamente bem quando nada mais poderia existir.

O livro continua na cabeceira, ele ajuda a manter o cenário construído com a sua presença. A cada página passada tento imaginar onde você está. Você entenderia se te mandasse uma referência? Você aceitaria se te mandasse uma referência? E eu tenho algum direito a isso?

No capítulo seguinte, um papel cai. Aquele que você se dedicou tanto para escrever. Aquele que me emocionou. Aquele que me assustou. O mesmo, que agora, me aquece. Leio uma, duas, três vezes tentando perceber o que não captei na leitura anterior. Cada palavra me deixa mais ofegante, quero desmanchar.

Mas minha respiração ecoa em todo esse vazio. Não sei mais dizer se ele é interno ou externo. Me sinto culpada, arrependida. Me sinto incapaz de corresponder a tamanha dedicação. Deve ser o tal do marxismo. A autoaversão que me impede de aceitar tanta entrega. Como é possível? "eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil"... A verdade é que amar é pra todos. Ser amada é pra poucos.

Escrito em 9 de julho de 2016.

quinta-feira, 20 de julho de 2017

luta



Simone, você pedia para que nada nos definisse
Mas ah, se você soubesse
Bom, desculpe, tenho certeza que sabe
É uma luta diária, né?
Ser mulher,
Respeitada.
Me pergunto diariamente como uma palavra tão simples
consegue ser tão difícil: respeito.
Respeitar o que somos, quem somos,
o que queremos.
Respeitar nossa história de vida,
nossos traumas, nossos medos.
Respeitar nossas prisões
e principalmente nossas liberdades.
Que nada nos sujeite, você dizia
Nem os padrões, nem as expectativas,
nem a sociedade, nem o estado,
nem nossas famílias.
Somos sujeitas de nós mesmas,
mas é assustadoramente pesado soltar as asas
para que a liberdade seja a nossa própria substância.
Porque querer ser livre quando nascemos presas
é tarefa árdua.
Os olhares nos prendem e
os julgamentos nos aprisionam.
Ninguém está disposto a entender,
somente em apontar, rotular,
nos devolver pra caixa de onde nunca deveríamos ter saído
Ai de nós que nos atrevemos a sair,
a ser, a gritar, a fazer!
Loucas, descontroladas, bruxas,
todas para a fogueira!
Ai de nós que fugimos ao padrão,
que questionamos, brigamos!
Lugar de mulher não é esse.
Ai de nós que queremos provar
que lugar de mulher é em qualquer lugar,
que o corpo e a alma são nossos
e que na nossa liberdade ninguém mexe!
Ai de nós, Simone, ai de nós que lutamos!

terça-feira, 27 de junho de 2017

Ninho


Passarinho, os dias andam bem. Leves, brilhantes, sabe? Tanta coisa mudou que nem sei se você me reconheceria. Às vezes, ainda acho que você só foi pra uma viagem longa e, mais dia, menos dia, volta para eu te abraçar e te atualizar das novidades dos últimos anos. Ou eu crio asas e voo na sua direção.  Quem sabe te encontro em alguma estação de trem ou em um café em Paris.

Você queria tanto voar por aí, lembra? Pássaro preso é sombra, você era sol. Mas a vida demorava a se acertar pra você poder ganhar o mundo. Ou era sua paciência que, de tão pouca, te levou a voar para tão longe sem se despedir. Tudo bem, você nunca foi de adeus. Sempre foi de presença, de abraço, de cuidado. De alegria, principalmente. Tanto que bastava um sinal de tristeza para arrancar gargalhadas de mim.

Como eu disse, os dias andam bons. E é nessas horas que me dá essa vontade enorme de te escrever. Nunca sei para onde enviar minhas palavras, mas preciso escrever pra te contar quantas melodias me pegam de surpresa e te deixam aqui, tão perto. A música sempre teve esse poder de me fazer reviver e sentir as melhores e as piores partes da minha vida. Às vezes, ela é tão poderosa que te aproxima até eu quase te tocar.

Lembra quando passamos uma hora discutindo se essa música deveria ou não tocar? Tocou. E todas as vezes que ela toca é impossível não lembrar de nós dois em cima daquele palco. Eu me sentia tão livre com você por perto.... Passarinho, you've got the best of me. Você trazia a leveza que eu não tinha para lidar com a dureza da vida.

Ahhhh, se soubesse quanta coisa mudou por aqui desde que você se foi. Por dentro e por fora. Ainda me pego procurando seu nome na lista de telefones para contar as novidades. De uma coisa tenho certeza, você seria colo, afeto e acolhimento. Isso sempre bastou para que nosso carinho fosse ninho. E esse ninho criou raiz na saudade doce que carrego comigo todos os dias da minha vida.



quarta-feira, 21 de junho de 2017

Ame o amor




Sigo a estrada perdida em músicas e pensamentos, refletindo sobre uma viagem que deveria ser de cura e renovação. Digo deveria, pois percebo que ambas vieram antes do embarque. Não, não foram as novas experiências, os novos rostos, os novos cenários que me mudaram. Fui eu que mudei.

Em sequência, o celular me traz sons tão carregados de lembranças: doces, doloridas, saudosas. A música que me lembra o amor eternizado na minha pele e no meu peito; a música que me lembra o maior amor de todos; a música que me lembra quem me fez acreditar novamente no amor; e a música que me lembra quem vem tentando me resgatar do abismo do qual eu não encontrava saída.

Mais de uma vez me disseram o quanto tenho facilidade para amar. E tenho. Quando amo, é com todo o meu coração. Quando quero, é com toda a vontade que existe dentro de mim. E eis, então, que envolvida em sons, lembranças e na estrada longa dos meus pensamentos, recebo uma mensagem: lembrei de você. Mais do que a poesia enviada, o que me chamou a atenção foi a introdução: "Para todos os que amam sem limites de tempo, minha poesia que sempre viverá o amor".

E para todos os que amam sem limites de tempo, espaço, raça, gênero, idade, religião, nacionalidade, ou qualquer outra barreira, eu peço: amemos o amor, porque não vivemos sem ele.

Texto escrito em junho de 2016


terça-feira, 16 de maio de 2017

Se eu te amo....




Se eu te amo?
Sim, claro que te amo,
desde a primeira vez que te vi passar por aquela porta
e eu não sabia o que era que prendia meus olhos em você.
Te amei todas as vezes que você falava e meu coração disparava
e ainda mais no dia daquela cerveja.
Continuei te amando quando decidi me entregar a tudo isso
e você me acolheu tão bem, lembra?
E mesmo daquela vez que o não veio de mim
eu ainda te amava.
Era apenas medo.
Se tem uma coisa que eu sempre soube lutar foi contra meus medos.
Teve aquela vez do poema também,
você deixou sua vergonha de lado e colocou no papel.
Eu carreguei ele comigo e perdi.
Fiquei louca, fui atrás e achei.
Outro dia encontrei ele de novo, sem querer.
E lembrei como te amei muito quando a gente sorria
quando o dia era claro e o colo era tão aconchegante.
Mas te amei mais ainda quando as nuvens vieram,
quando eu me culpava por não entender onde eu estava errando,
quando eu sentia que estava lutando uma batalha muito difícil de ganhar.
E mais e mais quando o peso já estava impossível de suportar.
Te amei muito em cada lágrima e pedido de socorro,
em cada tentativa frustrada de te arrancar um sorriso.
Ah! E por falar em sorriso, quanta falta eu sentia dele
e de ver seu rosto iluminado como a primeira vez que te vi passar por aquela porta.
Desconfiada, sempre, isso era você,
mas misteriosamente iluminada.
Ah! E quanta falta eu sentia do abraço quentinho
que passou a ser tão protocolar.
Daqueles olhos que cintilavam quando me viam
e passaram a ser tão vagos e fugidios.
Mesmo assim, continuei te amando. Mais e mais.
Só que o amor virou prisão, sabe?
Eu moveria o mundo inteiro pelo teu sorriso.
Mas e o meu sorriso, onde tinha ido parar?
Se eu te amo?
É claro que eu te amo
e provavelmente seguirei te amando,
não vejo motivos para que seja diferente.
Mas eu me amo muito mais sem você.


terça-feira, 9 de maio de 2017

Sobre deixar o amor ir embora (e um coração exausto)





Dói, dói mesmo. E parece que nunca vai deixar de doer. Por mais que você já tenha passado por isso, que você já conheça o começo, o meio e o fim desse sofrimento, a dor não é menor, apenas familiar. Dói todo o investimento emocional que você fez, doem todas as batalhas que você lutou para viver esse amor. Dói, sobretudo, perceber que, mais uma vez, você aceitou tão pouco. Logo você que sabe e sempre soube amar. Logo você que não mede esforços para o amor. Tão pouco, de novo. E continuando doendo. Dói ficar longe, abandonar os sonhos. Dói se sentir tão pouco valorizada. Dói enxergar a ingratidão, a falta de respeito, a falta de amor. Esse padrão que parece te perseguir... E você sabe, lá no fundo, que merece tão mais. Você, logo você, tão livre, tão leve, tão cheia de sol aí dentro. Pra que aguentar tanto peso, de tanta escuridão, de tantas presenças tóxicas? Mas dói, dói muito. E vai doer. Dói essa raiva que é dela, mas também é sua. Você que tem mania de se autoflagelar, de se culpar por tudo o que acontece, de achar que podia ter feito melhor, mesmo sabendo que deu tudo de si, tudo o que poderia ter dado. Como dói tanta insistência, né? Dói você não ter se livrado antes e ter aguentado tanto tempo ser ferida. Mas vai passar, você sabe que vai passar. Só que precisa doer. Dar adeus a um amor nunca é fácil, e não tem que ser.




quinta-feira, 27 de abril de 2017

Cheio de nós




Tudo ficou tão cheio. Cheio de amor. Cheio de mim, de você, de nós. Desses nós tão difíceis de se desfazer e que não puderam transbordar. Recusaram-se a se transformar em palavras. Havia tão pouco espaço que emaranharam-se nos nós de nós e não sabíamos mais quais eram os limites, as dores e as vontades de cada uma.

Mas desfizeram-se. Desfizeram-se em um adeus com cara de até logo. No entanto, um adeus é sempre um adeus. E também vem cheio. De lembranças, de mágoas, de tudo o que não pode ser dito. Vem cheio das palavras duras e daqueles nós que não conseguimos desfazer. Um adeus é sempre muito cheio de adeus.

Só que tudo continuou completamente cheio. Cheio de partidas, de perdas e de despedidas. Cheio desses vazios que insistem em ficar. Vazios tão sem saída. Cheio de solidão, de dor, de saudade. Continuou tudo cheio de nós, esse nó tão difícil de soltar. Esse nó que parecia tão atado, mesmo quando estava frouxo. Que parecia tão certo, mesmo quanto errado.

Continua tudo muito cheio.