terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Causa mortis: intolerância.



Lembro bem do dia que o conheci. Taça de champagne na mão, a toalha vermelha enorme estendida na grama, o balde amarelo com gelo e garrafas. Aquele sorriso cativante e a simpatia que ele duvidava que tinha. "Pode de servir, gata". Não recordo se conversamos muito ou pouco, mas saímos de braços dados e ele ainda ensaiou uma briga com uns caras que estavam mexendo comigo no caminho para o carro. Ele faria isso nos próximos dois anos que esteve na minha vida.

Aquele sorriso fácil entrou nos meus dias de forma inexplicável. Em pouco tempo eram várias mensagens todos os dias. Piadas, reclamações, desabafos. Ajuda na mudança, companhia no shopping, socorro culinário quando a geladeira estava vazia. Vamos malhar, vamos correr, vamos fazer SUP, vamos tomar sol, vamos comer, vamos beber, vamos sair, vamos, vamos, vamos.

Dois anos depois, após tosse insistente e pneumonia teimosa, recebo a notícia inesperada: ele não mais tinha consciência. Estava dormindo profundamente e lutando para viver. As causas eram misteriosas, mas no fundo eu sabia. Sabia desde que percebi que sua saúde andava debilitada e seu corpo sem energia, sabia desde que ele entrou naquele hospital e não conseguia mais sair. Sabia, mas queria que fosse mentira.

Em apenas quatro meses aquela presença tão intensa se desfez. Eu perdi o sorriso que enchia minha casa quando chegava e me arrancava uma gargalhada mesmo nos momentos mais tensos. Perdi meu ombro amigo, meu braço direito, minha companhia. Perdi sem poder ajudar. Perdi sem ouvir da boca dele como ele se sentia e sem poder dizer que eu estava ali, do lado dele, para o que viesse. Perdi sem dizer que eu iria lutar junto, enfrentar preconceitos, dar minha mão pra ele e encarar esse mundo tão cruel de peito aberto. Perdi sem escutá-lo dizer "não faz drama".

Acabo de ler o perfil do deputado Jean Wyllys na revista Piauí. Nela, Jean conta de um ataque de pânico após saber da morte do menino Alex, 8 anos, que apanhou tanto do pai que teve o fígado dilacerado e morreu. "Esse menino provavelmente passou pelo processo que eu e tantos outros passamos e passarão. De humilhação, xingamento e insulto".

O meu amigo imediatamente me veio à cabeça. Quantas vezes ele me contou dos preconceitos que sofria na escola, quantas vezes conversamos sobre o receio de contar para a família, quantas vezes eu percebi nele o pânico de ser rejeitado pelas pessoas que ele amava. Quantas vezes conversamos sobre tudo e, mesmo assim, ele teve medo que eu soubesse o que o afligia.

No perfil do deputado, a jornalista Adriana Abujamra descreve diálogos com Wyllys nos quais ele denuncia os absurdos da influência da bancada evangélica no Congresso: estatuto da família, generofobia, intolerância, entre outros. Sobre um diálogo de Adriana com o deputado Jair Bolsonaro, eu custo a acreditar nas palavras que leio, mesmo vindas dele. Segundo o deputado, ele não é contra os homossexuais, contanto que permaneçam escondidos e sem fazer alarde. E finaliza dizendo que "a minoria gay no Brasil agora se julga semideus!".

Só penso no que cada palavra dessas causa nas pessoas. Quando o menino Alex morreu porque gostava de lavar louça e dançar, ele não morreu só. Muitos meninos que gostam de bonecas e muitas outras meninas que gostam de jogar bola morreram junto, de fato ou simbolicamente. Cada ofensa, grito de ódio, humilhação é uma ferida que se abre no corpo e na pele de quem enfrenta preconceito todos os dias, em qualquer instância da vida. Cada surra motivada por homofobia, é um golpe na autoestima de gays, lésbicas, travestis, transexuais, transgêneros, bissexuais.

Quando meu amigo morreu, ele também não morreu só. Ele levou um pedaço do nosso coração, dos amigos e da família. Ele carregou com ele um estigma, deixou a indignação pela dificuldade que temos em tratar abertamente assuntos tão importantes e a dor pelo medo que ele deve ter sentido calado. Medo de ser excluído, julgado, mal visto, mais do que havia sido até então.

Quando Felicianos, Bolsonaros, Cunhas e seus amigos, com a desculpa de defender a família, influenciam as decisões políticas para continuarem marginalizando LGBTs, eles não estão apenas excluindo essas pessoas. Eles estão matando: por medo, por ignorância, por solidão, por incompreensão, por rejeição.

Aprovar o casamento gay ou permitir a adoção por homossexuais não tem só a ver com uma formalidade e muito menos com religião. O casamento é uma forma de resgate do amor familiar muitas vezes perdido por quem é desprezado por ser visto como diferente. E, aqui, ao contrário da família tradicional defendida por bancadas religiosas, trata-se de uma família não ortodoxa, não engessada. Uma família autêntica, baseada em amor, respeito e vontade, não em preceitos religiosos. Nas palavras de  Wyllys, "por mais que a gente vire arrimo de família desde cedo, a nossa vontade, no fundo, é ser amado feito os outros, sem ter que fazer tanto esforço."

Criminalizar a homofobia tem a ver com respeito e tolerância. E também com a permissão de se construir a identidade e autoestima LGBT sem medo, sem vergonha, sem solidão. Tem a ver com liberdade de expressão e com sentimento de aceitação. Todas as vezes que um gay é atacado por ser gay, não é só o Jean Wyllys que tem ataque de pânico. São crianças que têm medo dos colegas de escola, são adolescentes com medo dos pais, são adultos com medo da sociedade. São pessoas criadas com medo de se abrirem e não serem aceitas.

As mortes, em todos esses casos, são incontáveis, reais ou simbólicas. Enquanto houver intolerância, dezenas de crianças e jovens pensarão em se matar por serem "diferentes", milhões de pessoas se trancarão dentro do próprio sofrimento por vergonha.

Meu amigo não precisava ter morrido. Fosse o mundo mais compreensivo, tivessem as pessoas mais amor, professassem menos ódio por aí, aquele sorriso ainda estaria aqui, alegrando meus dias e ajudando pessoas como ele sempre gostou de fazer. Não foi a doença que o matou, foi a intolerância.


segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Essa segunda-feira amanheceu com um gosto amargo de ressaca.

Essa segunda-feira amanheceu com um gosto amargo de ressaca. A cabeça pesada, o corpo dolorido e o coração angustiado.

Não estou falando de Paris, ou talvez não só de Paris. É sobre os mais de 100 mortos na capital francesa; os 300 mil brasileiros sem água em Mariana; o rio que era doce, mas agora está morto; a fauna e a flora contaminadas e dizimadas; as vítimas do Boko Haram na Nigéria, que voltaram a ser lembradas nese final de semana; os 4 milhões de refugiados sírios; os 99% de mulçumanos que são e continuarão sendo vítimas de xenofobia e intolerãncia, mesmo não concordando com o terrorismo.

A ressaca também é também pelas 58 mil mortes violentas, no Brasil, em 2014, das quais quase 70% das vítimas são negros; as mais de 5 mil mulheres assassinadas e 47 mil estupradas no Brasil todos os anos; as mulheres, vítimas do ISIS, capturadas, escravizadas e estupradas; os mais de 6 mil homossexuais violentados no país todos os anos; isso sem falar dos milhares de miseráveis que morem todos os dias na África e na América Latina, de fome, de doenças, por conta de guerras civis e que simplesmente não são lembrados (é difícil encontrar algo até mesmo pesquisando no Google); essa lista não tem fim.

Minha ressaca, talvez, seja pela humanidade. Pelos comentários cruéis nas redes sociais, pelas disputas ideológicas irracionais, que só aumentam o ódio, pela maldade que fica tão evidente em tempos tão conectados.

Não, eu não acho que o mundo esteja pior, acredito mesmo que a maldade esteja mais aparente. Talvez até acredite que o mundo vem melhorando ao longo dos séculos e, por isso, as redes sociais tenham se tornando praticamente um ringue, onde todos pode lutar em pé de igualdade, sem medo de represálias. Mas em finais de semana como o último, difícil não pensar que esses são tempos difíceis para se viver.

Enquanto a gente se preocupa muito mais em xingar governos, condenar mulçumanos, agredir quem pensa diferente, legislar sobre a vida e o corpo do outro, milhares de seres vivos morrem por negligência, por falta de atenção, por falta de ação.

Muito mais do que rezar, nós deveríamos é lutar por Paris, por Mariana, pela Niigéria, pela Síria, pelas mulheres, pelos negros, pelos homossexuais, pelas crianças, pelo planeta e por um lugar mais humano para as próximas gerações. E, para essa ressaca, apenas a esperança e a certeza de que ainda existe gente disposta a mudar tanta bagunça.

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Nova chance


Não, não tinha paciência com as pessoas e isso não era segredo para ninguém. Tinha lá aquele sorriso que ele tanto adorava, mas a verdade é que, quando se conheceram, ela vestia uma armadura quase impossível de atingir. Mas não é que alguma coisa nos seus olhos fez com que ele enfrentasse toda aquela marra?

Era tudo tão incrivelmente natural que parecia que o universo estava montando, cuidadosamente, peça por peça dessa história. Do primeiro encontro à distância, à convivência, aos corações maltratados. Da sinceridade à vontade de se abrir, de falar, de ter cuidado um com o outro.

Os (poucos) momentos que ela ficava sem ele, ainda eram marcados pelos medos e os questionamentos. Aquela chuva de "e se" que não abandonava sua cabeça virginiana metódica nem seu coração cheio de feridas mal cicatrizadas. Mas bastava ver aquele sorriso (do qual ela havia decorado cada detalhe) para que tudo desaparecesse e eles quisessem só estar juntos.

E ficaram juntos. Não sabem até quando e nem aonde o universo irá conduzí-los. Eles só sabem o quanto é bom ter tanta energia, tanta química, tantos sorrisos e palavras em comum. E o quanto é bom saber que, apesar da vida, eles podem, novamente, se dar uma nova chance.

terça-feira, 11 de agosto de 2015

Feito tatuagem...



Ela marcava na pele suas dores e seus amores. Preferia assim, fazer deles cicatrizes perpétuas para que, todos os dias, lembrasse do quanto era forte e quanta coisa havia vivido. Sufocava seus pensamentos, engolia suas angústias, mas expulsava suas saudades. Deixava-as expostas para que o tempo fizesse delas o que bem entendesse. Para que a vida desse a elas um destino melhor do que a prisão do seu coração.

segunda-feira, 20 de julho de 2015

E se

E se o papo for ruim?
E se o beijo não for bom?
E se a gente não tiver nada a ver?
E se ele for ruim de cama?
E se ele não for carinhoso?
E se ele for infiel?
E se me fizer sofrer?

E se ele for o amor da minha vida?


terça-feira, 14 de julho de 2015

A gente cansa de tudo, até de ser forte




Em tempos de redes sociais, os olhos estão sempre voltados para a grama do vizinho e para o que achamos dela: verde, bonita e feliz. Ao mesmo tempo, ficamos tão preocupados em mostrar que nossa grama também é verde e ainda temos um lindo jardim, que nos esquecemos de viver nossa vida. Dessa forma, as pessoas vão construindo imagens umas das outras e acreditando nesses modelos como se fossem verdades absolutas.

"Você é uma mulher linda e forte, intimida os outros. Tanto os homens, quanto outras mulheres". Não foi a primeira vez que ouvi isso. E até acredito que realmente construí esse modelo, mesmo duvidando dele algumas vezes. De fato, gosto quando me dizem isso, ao menos fui bem sucedida na hora de vender a imagem que eu gostaria.

No momento que isso vira uma verdade sobre mim, fica muito difícil ser algo diferente da mulher forte e independente que me acostumei a ser. Parece que os olhares estão sempre voltados para ver a hora que você vai fraquejar e alguém dizer: eu disse que isso era só uma fase. E eu, tão orgulhosa de ser orgulhosa, não me permito falhar. Mas cansa.

Cansa ser forte o tempo inteiro. Cansa manter o sorriso e a cabeça erguida. Cansa ter medo de fraquejar e de parecer frágil. Cansa ter que provar o tempo inteiro que está tudo bem, tudo sob controle quando o que eu queria era só dar uma surtada, de leve, pra aliviar o coração. Cansa ter que engolir sapo, choro, angústia, frustração. Ter que vestir roupa colorida quando eu só queria estar de preto da cabeça aos pés.

Por hora, eu pretendo continuar sendo forte e independente. Mas me reservo o direito também de ser frágil e de querer alguém pra conversar bobagem, comer besteira e se enrolar no edredom comigo em um domingo a tarde. Me reservo o direito de chorar, de sonhar e de sentir. De sofrer por amor ou por saudade, de não querer sair sábado a noite, de desejar profundamente ter um coração quente de amor novamente. Me reservo o direito de quebrar em mil pedacinhos quando a vida me der alguma rasteira e de ter forças para juntar um por um, mesmo que isso doa, até estar forte e inteira novamente.

“Ele era um homem que parecia estar sempre prestes a partir. Se marcava um encontro, chegava três ou quatro horas atrasado, ou nem chegava, ou às vezes desaparecia durante dias ou semanas, sem deixar um número de telefone ou uma explicação. E o surpreendente era a facilidade, a compulsão, com que se podia amar um homem assim, como ele infundia uma sensação de espontaneidade próxima ao companheirismo - o quanto ele induzia uma pessoa à solidão que todos trazem consigo, a solidão que se vislumbra na expressão suplicante de estranhos num metrô meio vazio. Mesmo quando faziam amor e ele saía de dentro dela, mesmo então, minutos depois do gozo, tinha a sensação de perdê-lo. Certos homens, quando transavam com uma mulher, deixavam no corpo dela a marca da paixão, como uma criança crescendo em seu ventre. Podiam ficar longe um do outro por um ano, mas o corpo dela se sentia ainda cheio dos dois, cheio do amor entre eles. Chet deixava uma mulher vazia, cheia de saudade dele, cheia de esperança de que da próxima vez, da próxima vez… E quando ela compreendia que Chet nunca poderia dar o que ela desejava, a única coisa que ela desejava era ele. Sentiu lágrimas brotando-lhe nos olhos e lembrou-se de uma coisa que certa vez um amigo de Chet lhe dissera sobre a música dele - que a maneira como ele sustentava notas levava uma pessoa a pensar naquele instante que antecede o choro de uma mulher, quando seu rosto se enche de beleza até a borda, com água num copo, e um homem faria qualquer coisa no mundo para não tê-la ferido como a feriu. O rosto dela tão plácido, tão perfeito, você sabe que aquilo não pode durar, mas que aquele momento, mais que qualquer outro, encerra algo da eternidade: quando os olhos dela guardam a história de tudo quanto homens e mulheres já disseram uns aos outros. E é aí que ele lhe diz: ‘Não chore, não chore’, sabendo que essas palavras, mais que quaisquer outras no mundo, desatarão seu pranto…”

Geoff Dyer - Todo Aquele Jazz

Miopia




Bastaram cinco minutos de conversa para eu entender toda a sua angústia. Você namoraria com ele?, te perguntei. Sua resposta foi um rápido não. Mesmo assim passou boa parte do nosso jantar falando sobre o quanto a indiferença dele te incomodava. O quanto você queria que, dessa vez, as coisas funcionassem.

Eu, de minha parte, te observava. Sua boca e cada palavra que saia dela, seus olhos e cada vez que eles se cruzaram com os meus, seu rosto e cada expressão que você fazia (meu deus, como é expressiva!). Tentava escutar com atenção o que dizia, mas a verdade é que eu não tinha muito interesse.

Por favor, não me entenda mal. Tenho interesse em absolutamente tudo o que vem de você, menos em te ouvir falar de outro. Todas as vezes que você pronunciava o nome dele, mentalmente eu trocava pelo meu. Queria imaginar que você perdia suas noites por mim e passava horas dirigindo pela cidade pensando como seria nós dois juntos, como você gostava de fazer quando se apaixonava.

Mas meu recurso não funcionava muito bem pelo simples fato de que eu jamais seria indiferente a você. Eu jamais te deixaria sem resposta. Eu jamais recusaria um convite seu, fosse para um motel ou para o recital de ballet da sua prima de 4 anos. Eu jamais te deixaria sem mim.

Meu olhar devia estar muito perdido, porque você interrompeu sua história para reclamar que eu não estava prestando atenção. Sim, eu prestei. E também prestei atenção em todos os seus gestos, no seu cheiro, no som da sua voz. Prestei atenção no jeito que você mexe no cabelo quando está agitada e na forma como fala rápido quando fica ansiosa. Também prestei atenção nas suas pernas inquietas e nas suas mãos ... Prestei atenção nas batidas do seu coração e no rosado dos seus lábios. E o que eu acho disso tudo? Eu acho que você deveria deixar pra lá quem não te enxerga e prestar atenção em quem quer te fazer feliz.


domingo, 5 de julho de 2015

Um chá amargo



Já tinha virado um ritual: todas as vezes que sentávamos para conversar, eu precisava daquela xícara de chá de jasmim. Ele tinha gosto e cheiro de você, alguns dias suave, outros muito amargo. E eu sempre esquentava a água demais, talvez para desviar o foco da dor que você me causava.

Enquanto eu assoprava para tornar aquela queimadura menos agressiva, você tocou o meu rosto e disse: ninguém no mundo me faz feliz como você. Nem ousei levantar os olhos, sabia que não era verdade. Gabava-se de ser reservado e retraído, mas as palavras te saiam perfeitamente claras quando percebia que eu estava escorregando das suas mãos. Calava-se novamente quando sentia minhas mãos quentes encostando no seu corpo depois de alguma das suas promessas irrealizadas. E eu, tão apegada a paixões, me deixava levar por frases vazias.

Esquecia de todas as vezes que fiquei te esperando e você não apareceu, de todas as desculpas para não me encontrar, de todas as vezes que você voltava me prometendo a eternidade e não me dava um segundo. Sexta-feira a noite e eu estava ali, novamente, esperando a ligação que nunca aconteceu. Esperando que você me chamasse para aquele show que falamos em ir juntos. Ou que quisesse terminar os episódios daquele seriado que começamos a assistir. Nem o meu "oi" tinha resposta.

Suas fotos e comentários eram recados claros: estou em outra (ou em outras). "É um babaca", eu pensava, "não tem coragem de dizer na cara, prefere as indiretas". Que tola! Continuava achando que você fazia algo para me atingir quando, na verdade, você passava dias sem lembrar que eu existia. Aí, em algum fim de tarde de inverno, aparecia dizendo que precisava de uma xícara de chá para aquecer o coração. Mas a única coisa que você queria aquecer era seu corpo.  Mesmo assim, eu preferia acreditar nas falsas promessas e nas gotas de atenção a ter que lidar com a xícara vazia novamente. 

Tantos litros de chá depois e incontáveis queimaduras, eu percebi que, no fim, não era você que fazia eu me apaixonar, era a minha solidão que me fazia desejar ter alguém em quem pensar. E quanto mais longe você ficar, mais preenche meu vazio.

sábado, 13 de junho de 2015

I carry your heart



É que às vezes eu ainda acho que você vai bater na minha porta de repente pra beber água depois de correr. Ou que vou acordar com uma mensagem: Malhar, remos?
Às vezes eu penso que você só foi ali, talvez visitar a Maria Paula, mas já já você volta pra tomar sol comigo ou deitar no sofá e assistir Netflix. Aí eu sinto o gosto do risoto ou da moqueca e o som da sua gargalhada toma conta dos meus pensamentos
Tem horas que me dá vontade de te ligar pra contar minhas dores de cotovelo sabendo que você vai dizer "Gata, você sofre demais" ou "para de se preocupar tanto com os outros". E dez minutos depois vai me mandar os prints das suas conversas que só me faziam ter a certeza de que éramos muito mais parecidos nos assuntos do coração do que você gostaria.
Há dias que eu abro nossas conversas só pra escutar seus áudios e ler seus comentários sarcásticos. Assim eu finjo que a conversa está acontecendo ainda, não é antiga, e te sinto mais perto. Rio como se fosse a primeira vez que estivesse lendo, mesmo já tendo decorado cada letrinha que está ali.
Ainda te procuro na balada pra me levar pra casa, ou pra esconder meu celular e evitar uma tragédia moral no dia seguinte. Cada gole de espumante que eu tomo, é você que está celebrando comigo. A vida, os amigos, as risadas.
Todos os dias penso como eu queria ter sido mais pra você: falado mais, abraçado mais, insistido mais, cuidado mais. Ter dado o conforto que você merecia, a paz que você precisava.
Os dias ficam cada vez menos tristes e um pouco mais leves. Sua presença fica mais doce. Suas lembranças mais fáceis. E a saudade, claro, mais forte. Você estará comigo por onde quer que eu vá. ❤

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Ao meu herói



Ele sempre foi cheio de histórias para contar. Há três anos, nas folhas soltas do seu alfarrábio, nos presenteou com a reunião de boa parte delas, muitas das quais nem tínhamos ideia.

Com sua peculiar modéstia, iniciou seu livro dizendo que não tinha nada de interessante para revelar às pessoas, mas precisava registrar as estórias da vida dele, que se confundiam com a história do Amapá. Segundo ele, queria deixar registrado para filhos e netos os principais aspectos da "nossa vida". E o que deixou foi a história de um estado muitas vezes esquecido no mapa do Brasil.

No seu aniversário de 90 anos tentei resumir quem foi nosso vovô Elfredo: engraçado, elegante, ativo, trabalhador, batalhador, forte, generoso, carinhoso e a lista não pára. Para as pessoas que estavam em volta, ele era um porto seguro, um exemplo, um professor. Generoso, forte, curioso, somhador. Depois eu descobri que ele era ainda mais: ele era um herói.

Quando veio de Portugal recuperar as terras do seu pai, com seus 20 anos, sua mãe lhe pediu para não se envolver com seringueiros e com política. Pois ele se meteu na batalha da borracha, se filiou a partido político, fundou o primeiro jornal do Amapá, foi perseguido pela sua luta por um estado melhor e sempre teve um verdadeiro amor pela terra e por tudo o que vinha dela. Em uma de nossas últimas conversas, ele me contou de seu segundo livro: um alerta para as novas gerações, para que os jovens se atentassem às riquezas do Amapá e preservassem a terra, a cultura e o estado. Ele trabalhou 93 anos para isso.
Esse era o senhor Elfredo Félix, um idealista teimoso, um sonhador com os dois pés no chão. Um trabalhador exemplar, que esteve ao lado de Getúlio quando este se dirigiu ao povo do Amapá prometendo corrigir as injustiças com os outros trabalhadores. Talvez por isso ele tenha ido tão perto de um 1o de Maio, para deixar clara sua missão nesse mundo.  Esse era o nosso avô, o nosso ídolo, o nosso herói. Esse era o pai, a base e o alicerce. O sogro, a tranquilidade e a paz. E esse era o grande amor da vovó, a metade do seu coração.

Peço ao universo que me deixe sua habilidade com as palavras e sua bondade com as outras pessoas. Que a nossa família continue sendo bordada com o seu amor e aproximada com o seu carinho. Que a vovó seja forte para entender que ela construiu com ele uma família grande e linda e que ainda temos muito o que passar juntos. Que meu pai e meus tios honrem todo o legado de bondade, amor e união que ele deixou. Que nós, netos, possamos entender que avós são como chocolate, bom demais, mas dura pouco, às vezes uma parte muito pequena das nossas vidas. Ele nos deu 93 anos. E nós podemos dar a ele muito mais do que isso.

Vozinho, descanse em paz. O que o senhor construiu dentro da gente vai durar gerações.

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Queria gritar



A vida havia entrado em um emaranhado de acontecimentos penosos, difíceis de lidar. Não era uma montanha russa, parecia mais queda livre em um abismo sem fundo. Precisava de uma trégua, apertar o botão de pausa, respirar fundo, aliviar a cabeça e o coração.

A pressão era interna. Não foi fácil criar essa imagem de mulher independente, forte, determinada. A rocha, que dá conta de tudo sozinha. A mulher maravilha. Essa que cuidava de todos e não se deixava cuidar por ninguém. Que levava bronca da analista, do astrólogo, da terapeuta. Mas difícil mesmo era admitir a falta que faz um abraço, um colo. Admitir a saudade, a vontade de estar junto. Aqueles momentos que só um aconchego salva.

Ia, então, empurrando seus dias com a barriga. Sem sono, sem fome, sem ânimo. Colecionava mensagens não retribuídas e perguntas não respondidas. Procurava preocupações, alguém precisasse de sua ajuda para que ela não necessitasse olhar para dentro e admitir que não dá conta sozinha. Escondia-se nas necessidades alheias e transformava suas angústias em brigas desnecessárias para não precisar dizer: eu preciso de você. Porque, no fundo, não admitia precisar.

Queria gritar. Mas preferia escrever.

sábado, 4 de abril de 2015

Pra sempre







Assim como você, nunca fui muito de religião. Minha relação com essa energia maior foi sempre muito particular, mas acredito que nada acontece por um acaso.

Você entrou na minha vida por um motivo muito específico, em um momento que eu precisava tanto, mas não percebia. E fez tudo o que poderia fazer por mim sem nem saber o quanto me deixava bem.
Você foi embora desse mundo por um motivo também. Para unir mais as pessoas como você sabia fazer em vida, para mudar as dinâmicas de relações desgastadas pela vida, para reunir uma quantidade enorme de amor que nem você imagina.

Sempre vou lembrar de você falando pra eu me preocupar menos com as pessoas e absorver menos a más energias dos outros. A saudade que sinto é inevitável, mas ficarei bem como você gostava de me ver.

Eu sempre vou lembrar do seu carinho, do seu colo e das vezes que você me trouxe pra casa quando eu não estava bem.

Sempre vou lembrar das nossas tardes de sol, do seu risoto, da moqueca e do bolo de aniversário que veio com uma casa emprestada junto.

Eu sempre vou lembrar de você com seu balde amarelo no Picknik e da nossa primeira de taça de champanhe no CCBB. Foi amor à primeira vista, lembra? (Mesmo você tendo esquecido meu nome depois)

Sempre vou lembrar de você me ajudando com a mudança, furando parede e carregando minha TV. Me xingando de todos os nomes, mas fazendo tudo na maior boa vontade. 

Eu sempre vou lembrar quando falava pra você passar no concurso do Rio Branco, a gente casar e eu poder conhecer o mundo. Assim a gente não se separava e poderíamos continuar nos divertindo como sempre. Até o dia que percebemos que o nosso amor de irmão não nos permitia uma convivência tão intensa. Seria melhor cada um no seu canto, mas sem deixar de conversar um dia sequer. 

Eu sempre vou lembrar de você quando eu ver gente falando atrocidades na internet. Gente preconceituosa, homofóbica, racista. Gente sem humanidade. Sou até capaz de entrar nas discussões que você entraria, só não sei se consigo com tanta genialidade como você fazia. Saiba que vou sempre te defender até o fim.

Eu sempre vou lembrar do seu sarcasmo, das suas piadas e do tanto que você me fazia rir. Da maneira como você tentava fazer com que as pessoas ficassem mais leves.

Realmente não sei como vai ser ficar sem trocar mensagem com você todos os dias ou sem ouvir a sua voz. Não sei como serão os finais de semana sem você nas baladas, nos almoços, nos jantares. Não sei como serão os dias de sol sem seus convites para o SUP.

Sei que você deixou um pedaço tão vivo de você dentro de cada amigo, que uniu nossos corações com um amor imenso e uma vontade de te ter sempre por perto. Você foi especial e continuará sendo dentro da gente. Fica bem, meu bichinho. Continuo por aqui. Olha por nós. <3

sexta-feira, 27 de março de 2015

Desde a primeira taça

Paula foi meu primeiro livro, determinante para eu elegê-la minha escritora preferida. Engraçado lembrar disso agora. Eu nunca havia entrado em uma UTI, não sabia o que era a angústia desses dias de incertezas. A dor de uma mãe ao acompanhar uma filha em estado terminal parece ser indescritível, mas sua descrição era tão viva que me senti dentro daquele sofrimento. Era como se cada medo e cada insegurança também fizessem parte de mim. E fizeram.

Essa não é a primeira vez que frequento uma UTI. E, apesar de ter vivido os três meses mais difíceis da minha vida anos atrás, sabia que era o curso natural das coisas. O que eu nunca imaginei era passar por isso tão cedo e com você.

Você entrou na minha vida há pouco mais de dois anos e me tomou de um jeito que me deixa sem palavras. Seu carinho, seu sarcasmo, seu companheirismo, seu cuidado. Seu mau humor, sua animação, suas risadas. Sua comida, sua generosidade. A lista de paixões é imensa.Te ver deitado nessa cama ora me entristece, ora me revolta. É difícil aceitar.

Há dias tento colocar essa montanha russa de sentimentos em palavras, mas organizar isso tudo sem te ter por perto não é fácil. Cada notícia que chega traz um turbilhão de sensações diferentes: saudade, dor, agonia, alegria, esperança... e o ciclo vai e vem. Não consigo nem mesmo entender minha falta de lágrimas e esse coração tão acelerado o tempo inteiro.

Fui para o crossfit e te vi passando, me olhando pelo vidro. Você foi a primeira pessoa que me levou para fazer uma aula experimental, lembra? Eu queria você ali comigo, foi impossível terminar o treino. Abro o meu Facebook e um amigo postou um texto sem saber de você, parecia que era para mim: "acho que não vou estranhar o céu. Ser seu amigo, já é um pedaço dele.". Você bem sabe como são minhas crises de ansiedade. Foi só mais uma.

Minha vontade é ficar ao seu lado o dia inteiro. Não posso, então fico o tempo que consigo e converso o tempo que posso. Falo o que me vem a cabeça. Não sei se você me escuta, não sei se me entende, prefiro acreditar que sim. Conto como estão as coisas por aqui, os medos e as angústias, as esperanças e todo amor que vejo em torno de você. Conto cada beijo e cada abraço que te mandam, conto as novidades. Explico seu estado e peço para que não tenha medo.

Engraçado eu te pedir isso, eu tenho muito medo. Medo não poder te ajudar, medo dessa saudade apertada que já sinto, medo de te ver sofrer. Só quero que você fique em paz.
Conto como estão todos aqui e sobre a onda de amor que você criou, talvez sem saber. Não há como negar o nosso sofrimento e a nossa angústia, ela faz parte de todo esse processo, do apego, da vontade de te ter por perto.

Essa sua luta para ficar é comovente e me dá muito orgulho. Quero de te abraçar e pedir para você levantar: "você consegue!". Mas nosso contato físico não pode passar de um cafuné ou um afago nas suas mãos sempre frias (que faço questão de esquentar todas as vezes). É...não posso nem mesmo te abraçar. Também não tenho seus olhos, sua voz, suas piadas. Muito menos suas mensagens. O que eu tenho e sempre vou ter é sua presença marcante no meu coração.

Se eu pudesse escolher qualquer coisa na minha vida agora, pediria só para você não sofrer. Tome o tempo que precisar, lute o quanto quiser lutar. Estarei aqui, como sempre estive desde a nossa primeira taça de champanhe. Te amo.


quinta-feira, 12 de março de 2015

Você, tempestade





Toda vez é assim. Você vem como uma tempestade de verão, inunda tudo aqui dentro e vai embora. Deixa rastros por toda parte.

Durmo escutando seu barulho e acordo pensando em tudo o que você causa quando passa. Acordo com seu gosto, seu cheiro, seu toque. Com seus olhos deitados sob os meus. Acordo com seu peso, a textura da sua pele, mas nem sinal de você.

Aquela música começa a tocar por aqui. Aquela da primeira vez: but as long as you are with me, there's no place I'd rather be. Sonho com a nossa dança e toda a naturalidade da nossa presença. Com as nossas risadas, as nossas caretas. Acordo pensando como tudo é incrivelmente simples e descomplicado quando estamos juntos. Lembrando como as peças dos nossos mundos se encaixam tão bem. Mas acordo sem você.

Eu sempre gostei de tomar banho de chuva. Nem sei se quero que você seja uma garoa permanente, tenho medo de perder esse sol tão lindo que nasce após a tempestade. Tenho medo de perder essa naturalidade, essa leveza e descobrir que as coisas não são tão descomplicadas assim. 

Mas esse querer mais seca a minha boca. Faz tanto tempo que você não chove por aqui...

sábado, 7 de março de 2015

Como água





Se você fosse uma comida, não sei se seria doce ou salgado, azedo ou amargo. Não sei se cairia bem em um jantar, em um brunch, em um almoço. Se seria acompanhado de espumante ou uma cerveja.

Talvez fosse mais fácil ser um vinho, daqueles que começam fortes, encorpados, depois deixam um gosto tão doce na boca que faz a gente guardar o rótulo, a cor e o sabor na memória. 

Se fosse uma música, seria uma sinfonia inteira, com movimentos mais vibrantes intercalados com outros mais calmos. Teria notas fortes, dessas que nos fazem sentir o coração na boca. Teria notas penetrantes, dessas que arrepiam a pele. E cada nota ficaria marcada dentro do peito, como se você fizesse parte de quem te escutasse. 

Talvez você combinasse mais com um perfume. Daqueles que despertam atenção no inicio e deixam rastro por onde passam. Que nos deixam atordoados com o cheiro cítrico no início e adocicado no fim. Daqueles que não entram pelos pulmões, vão direto ao coração. E que nos fazem lembrar cada detalhe do instante em que te sentimos pela primeira vez. 

Você não é uma comida, um vinho, uma música ou um perfume. Mas é todo esse misto de sensações que te faz inesquecível. Você, meu querido, é água. E se faltar, minha vida fica insustentável.


quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Percebeu que era possível amar os detalhes sem amar o todo




Na intimidade daquele edredom, ela perguntou:
- Se você pudesse não sentir nada e evitar o sofrimento, você preferiria?
- Não, claro que não, ele disse. Ainda que eu sofra com mazelas que nem são minhas, ainda que meu peito aperte e o sofrimento me sufoque, eu preciso sentir para estar vivo... Ainda que...

E enquanto ainda falava, percebeu que aqueles olhos que lhe davam tanta paz saíram vagando pela janela. Ela não estava ali e talvez nem quisesse estar. Ele, por sua vez, só queria estar ali naquela cama, para sempre.

Por mais que tentasse, nunca entendia como havia se apaixonado. Talvez tenha sido por sua leveza, sua facilidade em viver sem se preocupar muito com o mundo em volta. Talvez tenha sido por sua alegria de viver. Ela era a tranquilidade que ele não tinha. Queria viver, se divertir, ser feliz. Não media suas palavras, suas piadas, afinal eram apenas palavras e piadas.

Enquanto isso ele preocupava-se com o mundo. Com a pobreza, a violência, os excluídos. Ele chorava com as mortes nos cinco continentes. Queria lutar e mudar o mundo. Queria discutir política, economia e religião. Pensava 30 vezes antes de dizer, tinha medo de cometer injustiças. Carregava nos ombros toda a crueldade do ser humano. Como era possível alguém viver nesse mundo sem pesar tanto sofrimento?

Para não enlouquecer, apegava-se á beleza. Sobretudo à beleza dela. Olhava aquele rosto, aquela pele. Amava aquele corpo e a cor que reluzia quando a luz do sol entrava pela janela e batia naquelas costas. Amava aquele sorriso. Amava aquele rosto que era só dele quando transavam. Amava quando ela fazia graça, mais pelo esforço em fazê-lo sorrir do que por achar realmente engraçado. Amava o amor. Amava o amor com todo o seu coração. Mas não a amava. E descobriu que era possível amar detalhes sem amar o todo.

Sabia que aquele momento não seria eterno e que ela não seria sua para sempre. Sabia, inclusive, que ela lhe escapava por entre os dedos, mas ele não tinha vontade de segurá-la. Se pudesse, a congelava assim, deitada, nua, olhando para seu rosto com olhos de quem prefere a energia do presente do que o peso do passado ou a ansiedade do futuro. Mas em poucas horas ela iria embora e provavelmente nunca mais voltaria. E não voltou.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Nossos mundos

Não sei o que acontece comigo quando estamos juntos. Eu não sou eu, sou outra pessoa. Quero relevar minha convicções morais, porque acho que você não quer entendê-las, só pra ficar ao seu lado, numa boa. Mas você fecha a porta da minha casa e me sufoca com toda uma vida de ideais, lutas e discursos. Com minhas utopias, meus sonhos, meus objetivos. Talvez essa crise não seja alérgica, e sim sufocamento de ideias, vontades e sentimentos

Em algum momento eu achei que você queria entrar um pouco no meu mundo e que eu poderia entrar no seu. Mas não sei mais. Acho que você quer até um limite e não percebe o quanto algumas coisas são extremamente importantes pra mim. Eu também não sei se quero tanto entrar no seu. No fundo, estou tentando te puxar para o meu ou, ao menos, construir um mundo nosso, a parte, alheio aos outros. Só que esse terceiro planeta é insustentável a longo prazo.

Mas ainda tem seus olhos, seu sorriso, seu abraço...


quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

O que eu aprendi sendo solteira.




Nunca soube ser solteira de verdade. Desde os 15 anos emendei um namoro longo no outro. Mesmo em períodos de entressafra, eu sempre tinha alguém relativamente fixo. E sofria, como eu sofria. Era um apego sem fim. A cada paixonite acabada, a desilusão e aquele ideia de que eu nunca encontraria alguém. Mas eu sempre encontrava.

Muitos corações partidos depois, e um bem estraçalhado, decidi que para o meu bem eu merecia ser solteira. Ser solteira mesmo, na essência da palavra. Sabe aquela coisa do pega e não se apega? Era bem isso. Aprender a viver só, viajar só, morar só, fazer novos amigos, conhecer gente, viver um carnaval de verdade, dois, três. Passar pela chatice de levar meu carro no mecânico, pregar um quadro sozinha na parede, passar meses na balada, viajar com quem eu nem conhecia direito, viajar com amigos, dentre outras coisas.

Definitivamente, eu só posso dizer que minha missão anda bem sucedida. E aprendi coisas muito curiosas sobre a solteirice, principalmente sendo mulher, feminista e tendo 30 anos, aquela idade em que suas amigas estão casando e tendo filhos enquanto você está indo pro carnaval e beijando meninos de 20 anos:

1) Meus amigos homens, héteros e comprometidos não se conformam com o fato de eu ser solteira, eles querem porque querem me arrumar um homem para casar. Mesmo eu dizendo que não tenho muita vontade de casar.

2) Meus amigos homens héteros e não comprometidos ou são ex-peguetes ou serão futuros peguetes (exceções raras quando a amizade já virou irmandade). E tá tudo certo.

3) Meus amigos gays são, definitivamente, a melhor companhia do mundo para uma noite de risadas e diversão que só acaba de manhã. Desculpem amigas, mas ninguém é páreo para eles.

4) Minhas amigas héteros, já passaram por tanta coisa que dividir as experiências com elas é a melhor terapia possível. Tá certo que é tanta mulher falando ao mesmo tempo que às vezes fico confusa, mas é bom saber que não estou sozinha no mundo, todo mundo já passou por situações parecidas.

5) Minhas amigas, héteros e comprometidas te olham com aquele ar de "ela é meio doidinha, né?".

6) Minhas amigas héteros e solteiras muitas vezes continuam sonhando com o príncipe encantado e não se conformam quando eu digo que não penso em casar: "é só uma fase".

7) Minha mãe fica de cabelo em pé a cada viagem que eu faço ou a cada balada que apareço de ressaca no dia seguinte.

8) Quem não me conhece direito, acha que sou a pessoa mais vida loka desse mundo por causa das minhas fotos nas redes sociais, mesmo quando eu passo um mês trancafiada em casa.

9) Meu pai acha que eu vou ficar "encalhada" pra sempre e ele não vai ganhar o tão sonhado neto. Como se uma coisa necessariamente tivesse ligada a outra.

10) Meus colegas e amigos menos próximos acham que sou uma pessoa forte, corajosa e desapegada. Enquanto isso eu corro pro banheiro para chorar em toda TPM.

Brincadeiras de lado, o mais marcante nisso tudo foi perceber como as pessoas ainda acreditam fortemente que uma mulher precisa da chancela masculina para ser feliz, e que se ela está solteira a tanto tempo ela deve ter algum problema. Quantas e quantas vezes eu escutei comentários absurdos do tipo: não me conformo de você ser solteira, você deve ser muito exigente.

Realmente, tenho um problema muito sério: eu não preciso de ninguém. Não preciso mesmo. A minha felicidade é e sempre será minha, independente de eu ter ou não alguém na minha vida. A única coisa que preciso para ser feliz é meu autoconhecimento, E dele eu corro atrás todos os dias. Preciso muito menos que escolham alguém para mim, sei muito bem minhas preferências, minhas vontades e meus desejos. Quando eu tiver alguém novamente, não será por necessidade, mas por vontade. Vontade de compartilhar meus dias e minha vida, vontade de estar junto, vontade de dividir minhas alegrias e minhas tristezas.

Sou exigente sim, exigente pra caramba. A minha liberdade está cada dia mais cara. Faço tudo sozinha, eu sei e consigo fazer tudo sozinha, não dependo de ninguém para nada. Então porque abrir mão de fazer o que eu bem entender por alguém que não faz meus olhos brilharem, minhas pernas tremerem, meu coração palpitar? Por que trocar meus momentos de silêncio por alguém que não quer estar comigo, embarcar na mesma viagem ou não me faz bem? A minha liberdade vale bem mais que isso.

Para quem se arrepia quando eu digo que não sonho em casar, isso simplesmente não faz parte da minha personalidade. Eu não sou tradicional, não aprendi nada com a Cinderela. Não tenho absolutamente nada contra casamento e até me emociono neles, acredito no amor com todo o meu coração, só não vejo sentido em jurar amor eterno a alguém com tantas testemunhas, sendo que eu nem sei o que será da minha vida amanhã. Eu já tenho meus amores eternos e nunca precisei de testemunha para isso. Meus futuros amores, eternos ou não, nunca terão dúvidas do meu sentimento.

E não, eu não tenho nenhum problema em gostar de ser solteira. Não estou atrás de alguém perfeito. Na verdade, não estou atrás de ninguém. Não precisa me olhar com esses olhos de pena e dizer: não entendo porque você está solteira. Estou porque quero, porque tão bom quanto se apaixonar é ter o coração leve. No dia que eu sentir aquele clique dentro do meu peito que me fale "agora vale a pena", não vou hesitar em me jogar. Como todo o meu coração, mas sem esquecer quem eu realmente sou.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Lugar dos sonhos



Disseram-me que era o lugar dos novos amores, eu não acreditei. Fui desarmada e encontrei uma vila toda feita de amor. Entre o rio e o mar, o verde e o céu existia o infinito. 

Lá eu tinha os pés no chão e a cabeça nas nuvens. Podia ser dançarina de forró ou passista de escola de samba. A princesa que Chico quis coroar ou a tigresa de íris cor de mel que seduziu Caetano. A carroça virava carruagem, a areia, passarela. Netuno, o deus do mar, era a bebida divina. 

Lá eu podia ser como eu quisesse. Podia gostar das músicas que odiava e detestar as músicas que eu amava. Calçava a terra, me vestia de sol. 

Comia pizza na vila e pastel em Belém. Jantava no café da manhã e almoçava na janta. Não tinha mundo fora daquele mundo. O mundo era o mar. 

Lá eu falava com a lua e caminhava com o sol. Fazia do céu estrelado meu teto e meu prazer. E do barulho das águas a trilha sonora do meu dias. Meu coração de pedra inflou de felicidade. 

Ali o ano virava magia. As horas duravam dias e os dias uma vida inteira de coisas boas. O tempo não passava, mas acabou muito mais rápido do que eu gostaria. Tinha esperança naquilo tudo. Esperança de que os dias sejam leves como foram ali, no meu lugar dos sonhos.