segunda-feira, 17 de junho de 2013

O país do swingue é o país da contradição




Por anos escutei as pessoas reclamarem da passividade do povo brasileiro. Escândalos atrás de escândalos e não fazemos nada para mudar. Entram eleições, saem eleições e os mesmos estão no poder. O povo não se mobiliza. O povo, essa entidade despersonalizada, sem nome, nem endereço. A geração dos nossos pais, sobreviventes à ditadura, sempre mostrando o quanto nós, jovens de hoje, somos coniventes com tudo, não nos mobilizamos, não saímos de frente do computador. Porque na França, no Egito, na Turquia, em Marte, lá sim eles sabem protestar, lá sim eles exigem seus direitos. Lá, o povo sabe reclamar.

Pois bem, o povo saiu da internet e foi para as ruas. Por causa de míseros R$ 0,20 a paciência chegou no limite, esgotou. Sim, o povo brasileiro, como o francês, aqueles que sabem protestar, resolveu colocar a cara a tapa. Mas esse mesmo povo, antes passivo e apático, virou bandido. Aqueles mesmos que acusavam o povo de inerte, agora acusam de baderna. Porque o povo brasileiro tem que protestar em silêncio, não pode atrapalhar sua volta pra casa no seu carro automático e com ar condicionado, não pode sujar a rua, nem quebrar vidros. Na França pode até virar ônibus, eles tem uma causa. Aqui são só R$ 0,20. E não justifica tudo isso por essa mixaria. Aliás, nem justifica esse bando de gente que nem transporte público usa, ir fazer protesto contra o aumento das passagens. Cada um com seus problemas, e o conceito de democracia é jogado pelo ralo.

Pior ainda, o povo escolheu uma péssima hora para resolver reagir; estragando a festa brasileira, a tão esperada e venerada Copa do Mundo no Brasil. Tudo errado, tudo errado. O povo brasileiro deveria mostrar para os gringos o quanto somos felizes, hospitaleiros e imbecis de acharmos normal gastar 33 bilhões com uma Copa do mundo e não termos hospitais.

O primeiro absurdo nessa história toda é jogar a culpa em cima do povo. Quem é esse povo? Esse povo não sou eu, você, o PM, seus filhos e todos que pagam impostos, elegem os governantes, são cidadãos? Não somos nós esse povo que não ia às ruas, não reclamava? E não somos nós esse mesmo povo que está com a paciência esgotada, que quer ver uma mudança urgente? Então porque essa mania de despersonalizar a culpa, ao invés de assumi-la? Ao invés de admitir que somos nós que não nos mobilizamos? Somos nós que aguentamos por anos escândalo atrás de escândalo, corrupção atrás de corrupção, injustiças, absurdos, abusos, dentre outras coisas. E somos nós que não fizemos nada para mudar isso. Portanto, não se esconda atrás do povo brasileiro, pois você é o povo brasileiro e somos todos culpados pelos governantes que temos, pelos problemas que temos, por essa nossa cultura do jeitinho que confunde malandragem com esperteza.

Acontece que nós, povo, não aguentamos mais ter que pagar caro por um transporte público que não funciona; ter que pagar escola particular e plano de saúde, por o que é público é de péssima qualidade; ter medo de sair na rua; ter estradas esburacadas e perigosas, só para citar alguns dos problemas. E somos nós, povo, que estamos indo para a rua protestar. Não é O POVO brasileiro, despersonalizado, somos nós, todos nós que pagamos nossos impostos e não vemos retorno, que queremos morar em um país melhor.

Portanto, não espere um protesto silencioso, ele não vai acontecer. Quebrar, depredar, estragar não são corretos. Mas ferir, prender injustamente, perseguir e espancar também não são. Morrer em hospitais, não ter cadeira nas salas de aula, passar fome, são menos ainda. E se for preciso pagar um preço para ter um país mais decente, teremos que pagar. Não haverá manifestação na calçada, que irá parar nos sinais e faixas de pedestre pra você passar. Você vai chegar atrasado para buscar seu filho, vai ouvir palavrões na rua, não vai conseguir assistir sua novela. Mas graças a esses baderneiros pode ser que o seu dinheiro seja melhor aplicado, que você possa deixar o carro em casa para usar o transporte público, que seu filho posso brincar na rua sem medo. Então, ou estaciona seu carro na esquina e vai para a rua, ou vai ler uma revista e não atrapalha quem está lutando por um país melhor para você e sua família.

Não espere que um trabalhador que fica mais de 8 horas por dia no trabalho, que pega 2 conduções e leva mais 2 ou 3 horas voltando para casa, tenha tempo para ir para a rua protestar. Ele tem que ir para casa dar atenção para o filho pequeno porque não pode pagar ninguém para cuidar ou, quem sabe, começar uma jornada dupla de trabalho, em casa ou em outro emprego. Isso se ele tiver alguma ideia do que está acontecendo, se ele tiver uma visão que o faça enxergar além do que a grande mídia mostra, se ele tiver um nível educacional e crítico que o permita avaliar as mudanças que estão acontecendo. Mas eu, você, seu filho, seus amigos, nós que não usamos transportem público, temos plano de saúde e estudamos nas melhores escolas do país; nós que não levamos nem meia hora do trabalho até em casa e podemos pagar alguém para ficar com nossos filhos por mais uma ou duas horas eventualmente; nós que estudamos, lemos, viajamos, temos acesso a cultura; nós podemos ir juntos às ruas reivindicar direitos que atingem a todos. Podemos gastar 2 ou 3 horas do nosso dia lutando por um lugar mais justo, mais digno para se viver. Lembre-se que para nós, estudar em uma universidade pública foi apenas obrigação para quem teve condição de ter um ensino privado de qualidade. Mas o filho do seu porteiro, que usa o transporte público lotado e péssimo para ir a uma faculdade privada e de qualidade duvidosa, não tem como ir para a rua protestar, porque provavelmente ele ainda trabalha para pagar a faculdade. Ou seja, obrigação dobrada para nós, privilegiados da classe média brasileira que ao invés de ajudarmos só reclamamos.

Por fim, não existe festa brasileira do futebol e cara bonita para a imprensa lá fora quando se gasta bilhões na construção de estádios que serão subaproveitados, enquanto a população se ferra. A FIFA é uma das instituições mais corruptas que existem, isso não é segredo para ninguém. Juntando isso ao governo brasileiro, historicamente ladrão, temos uma máfia formada. Então, não me venha falar de festa e sorrisos enquanto nossos hospitais não tem leito, não tem médicos, não tem medicamentos; enquanto nossas escolas não tem cadeiras, não tem professores, não tem merenda; enquanto nosso transporte público está lotado e sucateado; enquanto nós não pudermos andar nas ruas sem ter medo de bandido de verdade. Não venha me dizer que toda essa "baderna" é ruim para a imagem do país lá fora. Ruim para nós é ter policia batendo em estudante, gente morrendo em hospital por falta de atendimento, criança sem ter o que comer na escola.

Isso não é briga de partido, não é disputa entre vermelhos ou azuis, há tempos que essa divisão partidária no Brasil deixou de ter sentido. Também não é uma greve, não existe uma lista de reivindicações. Essa é a luta de 8 milhões de brasileiros por um país coerente, menos corrupto, mais preocupado com o bem estar da população. O Brasil resolveu mostrar a cara, dizer a que veio, mostrar ao mundo que cansamos do pão e do circo. A gente quer justiça. Não adianta "deixar para protestar nas urnas", estamos cansados de saber que nossas opções estão sempre entre o sujo e o mal lavado. Só nos resta ir para a rua, para a janela, para o Facebook, tanto faz, mas lutar com as armas que cada um tem. Lutar para que nossos filhos tenham orgulho de dizer que são brasileiros não por causa de uma seleção de futebol, mas porque vivem em um país que oferece condições dignas para sua população viver.

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