O primeiro dia
Luis Fernando Veríssimo, em Histórias Brasileiras de Verão
No Brasil, como se sabe, o verdadeiro primeiro de janeiro é a quarta-feira de cinzas – à tarde. É o dia nacional do recomeço solene, quando milhões de pessoas em todo país colocam a mão sobre uma agenda nova e juram dizer a verdade, fazer o bem e somente o bem, organizar suas estantes, procurar seus amigos, parar de fumar, beber menos, comer melhor, visitar a tia Cleoci e pelo menos se esforçar para entender a teoria quântica, já que a econômica é impossível. Enfim, começar uma nova vida. Da capo. Do zero. É o primeiro dia da volta ao Paraíso antes da serpente original. Descontada a ressaca, somos os adãos e as evas da segunda chance, prontos para reinaugurar o mundo. Isto se chama chão e isto parede, aquilo lá fora sol e isto na minha mão comprimido antiácido, ou será o contrário? Depende da nossa vontade e somente dela. O futuro é uma folha pautada esperando a primeira anotação do ano, que tanto pode ser “Dentista” na sexta quanto “Deus, levar questionário” no sábado. Dia de contrição e onipotência. A virtude nos envolve como um halo e somos outros, somos decididamente outros, e certamente melhore. Uma sensação que geralmente perdura até quinta, quando vamos ao banco ver o saldo da conta.
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