A primeira coisa que me chamou atenção no livro, quando eu ainda era
vendedora na Livraria Cultura, foi sua capa. Uma mistura entre grotesco e
supreendente, mostra um adolescente com a cabeça de um bicho.
Resolvi, então, em um dos raros momentos em que a
livraria estava vazia, dar uma rápida lida na sinopse. Eva escreve
cartas para seu marido, Franklin, revivendo várias fases da vida dos
dois, antes e depois de Kevin, seu filho, nascer. Acontece que Eva nunca
quis ser mãe de verdade e Kevin a rejeitou desde o momento em que
nasceu. A relação entre os dois era extremamente complicada e Franklin, o
pai, tentava de tudo para botar panos quentes na situação. Às vésperas
de completar 16 anos, maioridade penal em alguns estados
norte-americanos, Kevin matou sete de seus colegas de escola, uma
professora e um servente.
Lionel Shriver, a autora, faz uma pesquisa apurada
sobre chacinas praticadas em escolas por adolescente norte-americanos,
citando vários casos e nomes. A descrição psicológica dos personagens é
tão intensa e detalhada que procurei mais de uma vez no Google para ver
se a história relamente não era real. O entrelaçamento da história com
alguns momentos políticos dos EUA, e a crítica ácida à sociedade
norte-americana, ajudam a dar um toque verídico ao caso.
O
livro é tenso desde o início. Acostumados que somos a escutar falar da
maternidade como um momento lindo, único e idealizado, ver uma mãe dizer
que nunca sentiu nada pelo seu filho desde o momento que ele nasceu
causa grande desconforto. Ao longo da história, esse desconforto
transforma-se em uma espécie de terror pelas atitudes de Kevin, que
começam bobas e aparentemente inocentes, até transformarem-se em uma
chacina. Por fim, fica um sentimento de medo misturado com compaixão
pela mãe desnaturada e seu filho ingrato.
O que mais me
marcou na leitura é a realidade com que os fatos e os sentimentos dos
personagens são contados. Eva sente-se mal por não amar seu filho, por
querer desaparecer do mapa quando ele começava a chorar, por desejar que
ele tivesse algum tipo de deficiência que despertasse alguma compaixão
dentro dela, algum sentimento de mãe. Eva é só um retrato do que muitas
mães devem passar sem ter coragem de contar para ninguém. Nós, mulheres,
somos criadas para acreditar na maternidade como um momento mágico, mas
ninguém nos ensina a enfrentar todas as privações a que seremos
submetidas, todos os problemas e percalços no caminho. Ninguém nos conta
que, muitas vezes, o amor não é instantâneo, que a conexão com nosso
filho pode não surgir na hora e que, sim, talvez tenhamos que contar com
a ajuda de um profissional para aprender a amá-lo. Pior, ninguém nos
diz que isso é normal e não há nada de errado em pedir ajuda. Como se
não bastasse o peso de ser responsável pela vida e o bem-estar de outro
ser humano, colocam-nos o peso de amar incondicionalmente, aconteça o
que acontecer, e nos condenam caso não sejamos capaz disso.
Sou
suspeita para falar, acho que quero ser mãe desde os 10 anos
de idade. No entanto, a tempos procuro ser mais realista com toda essa
fantasia que criam em cima da maternidade. Deve ser maravilhoso,
concordo, mas deve ser muito difícil também. E acho importante saber de
todas as dificuldades, de todos os problemas que existem, até para
podermos embarcar nessa jornada de forma mais consciente.
Terminei o livro triste, a história é muito pesada, e ao mesmo
tempo aliviada pelas conclusões que Eva conseguiu chegar ao escrever
suas cartas. Uma pena que essas conclusões tenham vindo tarde demais para não destruir sua vida. Felizmente, nunca é tarde para reconstruir.
a Shriver é demais (a partir do Kevin, porque o anterior dela 'dupla falta', é bem mais ou menos. =P)! e o filme não deixou a desejar. você viu? ^^
ResponderExcluirVi não, vou tentar ver esse fim de semana. Mas bom saber que Dupla Falta não é bom. Já tô louca pra ler O Mundo Pós-Aniversário!
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