Em tempos de redes sociais, os olhos estão sempre voltados para a grama do vizinho e para o que achamos dela: verde, bonita e feliz. Ao mesmo tempo, ficamos tão preocupados em mostrar que nossa grama também é verde e ainda temos um lindo jardim, que nos esquecemos de viver nossa vida. Dessa forma, as pessoas vão construindo imagens umas das outras e acreditando nesses modelos como se fossem verdades absolutas.
"Você é uma mulher linda e forte, intimida os outros. Tanto os homens, quanto outras mulheres". Não foi a primeira vez que ouvi isso. E até acredito que realmente construí esse modelo, mesmo duvidando dele algumas vezes. De fato, gosto quando me dizem isso, ao menos fui bem sucedida na hora de vender a imagem que eu gostaria.
No momento que isso vira uma verdade sobre mim, fica muito difícil ser algo diferente da mulher forte e independente que me acostumei a ser. Parece que os olhares estão sempre voltados para ver a hora que você vai fraquejar e alguém dizer: eu disse que isso era só uma fase. E eu, tão orgulhosa de ser orgulhosa, não me permito falhar. Mas cansa.
Cansa ser forte o tempo inteiro. Cansa manter o sorriso e a cabeça erguida. Cansa ter medo de fraquejar e de parecer frágil. Cansa ter que provar o tempo inteiro que está tudo bem, tudo sob controle quando o que eu queria era só dar uma surtada, de leve, pra aliviar o coração. Cansa ter que engolir sapo, choro, angústia, frustração. Ter que vestir roupa colorida quando eu só queria estar de preto da cabeça aos pés.
Por hora, eu pretendo continuar sendo forte e independente. Mas me reservo o direito também de ser frágil e de querer alguém pra conversar bobagem, comer besteira e se enrolar no edredom comigo em um domingo a tarde. Me reservo o direito de chorar, de sonhar e de sentir. De sofrer por amor ou por saudade, de não querer sair sábado a noite, de desejar profundamente ter um coração quente de amor novamente. Me reservo o direito de quebrar em mil pedacinhos quando a vida me der alguma rasteira e de ter forças para juntar um por um, mesmo que isso doa, até estar forte e inteira novamente.
“Ele era um homem que parecia estar sempre prestes a partir. Se marcava um encontro, chegava três ou quatro horas atrasado, ou nem chegava, ou às vezes desaparecia durante dias ou semanas, sem deixar um número de telefone ou uma explicação. E o surpreendente era a facilidade, a compulsão, com que se podia amar um homem assim, como ele infundia uma sensação de espontaneidade próxima ao companheirismo - o quanto ele induzia uma pessoa à solidão que todos trazem consigo, a solidão que se vislumbra na expressão suplicante de estranhos num metrô meio vazio. Mesmo quando faziam amor e ele saía de dentro dela, mesmo então, minutos depois do gozo, tinha a sensação de perdê-lo. Certos homens, quando transavam com uma mulher, deixavam no corpo dela a marca da paixão, como uma criança crescendo em seu ventre. Podiam ficar longe um do outro por um ano, mas o corpo dela se sentia ainda cheio dos dois, cheio do amor entre eles. Chet deixava uma mulher vazia, cheia de saudade dele, cheia de esperança de que da próxima vez, da próxima vez… E quando ela compreendia que Chet nunca poderia dar o que ela desejava, a única coisa que ela desejava era ele. Sentiu lágrimas brotando-lhe nos olhos e lembrou-se de uma coisa que certa vez um amigo de Chet lhe dissera sobre a música dele - que a maneira como ele sustentava notas levava uma pessoa a pensar naquele instante que antecede o choro de uma mulher, quando seu rosto se enche de beleza até a borda, com água num copo, e um homem faria qualquer coisa no mundo para não tê-la ferido como a feriu. O rosto dela tão plácido, tão perfeito, você sabe que aquilo não pode durar, mas que aquele momento, mais que qualquer outro, encerra algo da eternidade: quando os olhos dela guardam a história de tudo quanto homens e mulheres já disseram uns aos outros. E é aí que ele lhe diz: ‘Não chore, não chore’, sabendo que essas palavras, mais que quaisquer outras no mundo, desatarão seu pranto…”
Geoff Dyer - Todo Aquele Jazz