sexta-feira, 27 de março de 2015

Desde a primeira taça

Paula foi meu primeiro livro, determinante para eu elegê-la minha escritora preferida. Engraçado lembrar disso agora. Eu nunca havia entrado em uma UTI, não sabia o que era a angústia desses dias de incertezas. A dor de uma mãe ao acompanhar uma filha em estado terminal parece ser indescritível, mas sua descrição era tão viva que me senti dentro daquele sofrimento. Era como se cada medo e cada insegurança também fizessem parte de mim. E fizeram.

Essa não é a primeira vez que frequento uma UTI. E, apesar de ter vivido os três meses mais difíceis da minha vida anos atrás, sabia que era o curso natural das coisas. O que eu nunca imaginei era passar por isso tão cedo e com você.

Você entrou na minha vida há pouco mais de dois anos e me tomou de um jeito que me deixa sem palavras. Seu carinho, seu sarcasmo, seu companheirismo, seu cuidado. Seu mau humor, sua animação, suas risadas. Sua comida, sua generosidade. A lista de paixões é imensa.Te ver deitado nessa cama ora me entristece, ora me revolta. É difícil aceitar.

Há dias tento colocar essa montanha russa de sentimentos em palavras, mas organizar isso tudo sem te ter por perto não é fácil. Cada notícia que chega traz um turbilhão de sensações diferentes: saudade, dor, agonia, alegria, esperança... e o ciclo vai e vem. Não consigo nem mesmo entender minha falta de lágrimas e esse coração tão acelerado o tempo inteiro.

Fui para o crossfit e te vi passando, me olhando pelo vidro. Você foi a primeira pessoa que me levou para fazer uma aula experimental, lembra? Eu queria você ali comigo, foi impossível terminar o treino. Abro o meu Facebook e um amigo postou um texto sem saber de você, parecia que era para mim: "acho que não vou estranhar o céu. Ser seu amigo, já é um pedaço dele.". Você bem sabe como são minhas crises de ansiedade. Foi só mais uma.

Minha vontade é ficar ao seu lado o dia inteiro. Não posso, então fico o tempo que consigo e converso o tempo que posso. Falo o que me vem a cabeça. Não sei se você me escuta, não sei se me entende, prefiro acreditar que sim. Conto como estão as coisas por aqui, os medos e as angústias, as esperanças e todo amor que vejo em torno de você. Conto cada beijo e cada abraço que te mandam, conto as novidades. Explico seu estado e peço para que não tenha medo.

Engraçado eu te pedir isso, eu tenho muito medo. Medo não poder te ajudar, medo dessa saudade apertada que já sinto, medo de te ver sofrer. Só quero que você fique em paz.
Conto como estão todos aqui e sobre a onda de amor que você criou, talvez sem saber. Não há como negar o nosso sofrimento e a nossa angústia, ela faz parte de todo esse processo, do apego, da vontade de te ter por perto.

Essa sua luta para ficar é comovente e me dá muito orgulho. Quero de te abraçar e pedir para você levantar: "você consegue!". Mas nosso contato físico não pode passar de um cafuné ou um afago nas suas mãos sempre frias (que faço questão de esquentar todas as vezes). É...não posso nem mesmo te abraçar. Também não tenho seus olhos, sua voz, suas piadas. Muito menos suas mensagens. O que eu tenho e sempre vou ter é sua presença marcante no meu coração.

Se eu pudesse escolher qualquer coisa na minha vida agora, pediria só para você não sofrer. Tome o tempo que precisar, lute o quanto quiser lutar. Estarei aqui, como sempre estive desde a nossa primeira taça de champanhe. Te amo.


quinta-feira, 12 de março de 2015

Você, tempestade





Toda vez é assim. Você vem como uma tempestade de verão, inunda tudo aqui dentro e vai embora. Deixa rastros por toda parte.

Durmo escutando seu barulho e acordo pensando em tudo o que você causa quando passa. Acordo com seu gosto, seu cheiro, seu toque. Com seus olhos deitados sob os meus. Acordo com seu peso, a textura da sua pele, mas nem sinal de você.

Aquela música começa a tocar por aqui. Aquela da primeira vez: but as long as you are with me, there's no place I'd rather be. Sonho com a nossa dança e toda a naturalidade da nossa presença. Com as nossas risadas, as nossas caretas. Acordo pensando como tudo é incrivelmente simples e descomplicado quando estamos juntos. Lembrando como as peças dos nossos mundos se encaixam tão bem. Mas acordo sem você.

Eu sempre gostei de tomar banho de chuva. Nem sei se quero que você seja uma garoa permanente, tenho medo de perder esse sol tão lindo que nasce após a tempestade. Tenho medo de perder essa naturalidade, essa leveza e descobrir que as coisas não são tão descomplicadas assim. 

Mas esse querer mais seca a minha boca. Faz tanto tempo que você não chove por aqui...

sábado, 7 de março de 2015

Como água





Se você fosse uma comida, não sei se seria doce ou salgado, azedo ou amargo. Não sei se cairia bem em um jantar, em um brunch, em um almoço. Se seria acompanhado de espumante ou uma cerveja.

Talvez fosse mais fácil ser um vinho, daqueles que começam fortes, encorpados, depois deixam um gosto tão doce na boca que faz a gente guardar o rótulo, a cor e o sabor na memória. 

Se fosse uma música, seria uma sinfonia inteira, com movimentos mais vibrantes intercalados com outros mais calmos. Teria notas fortes, dessas que nos fazem sentir o coração na boca. Teria notas penetrantes, dessas que arrepiam a pele. E cada nota ficaria marcada dentro do peito, como se você fizesse parte de quem te escutasse. 

Talvez você combinasse mais com um perfume. Daqueles que despertam atenção no inicio e deixam rastro por onde passam. Que nos deixam atordoados com o cheiro cítrico no início e adocicado no fim. Daqueles que não entram pelos pulmões, vão direto ao coração. E que nos fazem lembrar cada detalhe do instante em que te sentimos pela primeira vez. 

Você não é uma comida, um vinho, uma música ou um perfume. Mas é todo esse misto de sensações que te faz inesquecível. Você, meu querido, é água. E se faltar, minha vida fica insustentável.