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Poderia ser mais um domingo qualquer, de um março qualquer, de um ano qualquer. No entanto, dessa vez, enquanto a chuva inundava o país, batia também em seu peito com tanta brutalidade que arrastava pedaços de sentimentos e lembranças. Sentia como se toda aquela água saísse de dentro dele.
Marcelo
pegou o celular e, inúmeras vezes, ensaiou apertar aquele número que estava em
primeiro na lista há tantos anos. Não tinha coragem. Não aguentava mais aquele
limbo, mas sabia que uma ligação só pioraria as coisas. Achou melhor tentar uma
mensagem, pelo menos se pouparia de escutar a voz que tanto amava lhe dizer
palavras tão duras. Mesmo sabendo que ela conseguia ser ainda mais cruel ao
escrever do que ao falar, era mais fácil lidar com tanta mágoa quando as
palavras estavam no papel (ou na tela do celular). “Eu só queria que essa chuva te trouxesse de
volta para mim...”. Mandou e se arrependeu imediatamente.
No
mesmo instante, começou a se lembrar do dia que a levou ao seu restaurante
preferido. Ela estava linda como há muito tempo não a via. O sorriso, os olhos,
a alegria, aquele jeito tagarela de quando estava muito feliz ou muito nervosa.
Jantaram, riram, conversaram, até que chegou a hora que ele tentava adiar.
Começou falando de sentimentos, dúvidas e angústias da vida, gaguejava,
confundia as palavras e as ideias. Sua namorada não era boba, entendeu muito
bem o que ele tentava dizer: “é outra mulher, não é?”. Não precisou de um sim
verbal, o olhar o entregou. Ela pegou sua bolsa, levantou-se calmamente e foi
embora.
Naquela noite,
não conseguiu dormir. Sentia falta de ar, seu peito pesava. Cochilava e o
sorriso dela aparecia em seus sonhos. Acordava e tinha vontade de voltar no
tempo e desfazer tudo aquilo. Mas não podia, estava enrolado até o pescoço. Não
tivera apenas um caso, prometeu à outra o que ele só podia dar à sua namorada
(agora ex). Ela acreditou e agora esperavam um filho. A criança nasceu, mas o
relacionamento não durou.
Não sabia de
onde vinha tanta água, da rua ou de dentro dele.
*Esse conto foi escrito para a Oficina de Escrita Literária, do professor Marcelo Spalding. A música escolhida para basear o conto foi Santa Chuva, do Marcelo Camelo.